quarta-feira, 21 de abril de 2010

Ninguém pode construir em teu lugar 
as pontes que precisarás passar, 
para atravessar o rio da vida
ninguém, exceto tu, só tu. 
Existem, por certo, atalhos sem números,
e pontes, e semideuses que se oferecerão 
para levar-te além do rio; 
mas isso te custaria a tua própria pessoa;
tu te hipotecarias e te perderias. 
Existe no mundo um único caminho
por onde só tu podes passar. 
Onde leva? Não perguntes, segue-o. 


Friedrich Nietzsche




Mais importante que o lugar, é o movimento,
Mais que o ato, o efeito.
Em verdade vos digo: Problema não é estar em cima do muro,
Problema há em estar parado.
Caminhar sobre os muros é o segredo dos labirintos.

Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo.
Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros)...
Sinto crenças que não tenho.
Enlevam-me ânsias que repudio.
A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me ponta
traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha,
nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo.
Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos
que torcem para reflexões falsas
uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.
Como o panteísta se sente árvore (?) e até a flor,
eu sinto-me vários seres.
Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente,
como se o meu ser participasse de todos os homens,
incompletamente de cada (?),
por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço.

Fernando Pessoa