domingo, 28 de fevereiro de 2010

Os Lados

Há um lado bom em mim.
O morto não é responsável
Nem o rumor de um jasmim.


Há um lado mau em mim,
Cordial como um costureiro,
Tocado de afetações delicadíssimas.

Há um lado triste em mim.
Em campo de palavra, folha branca.
 
Bois insolúveis, metafóricos, tartamudos,
Sois em mim o lado irreal.


Há um lado em mim que é mudo.
Costumo chegar sobraçando florilégios,
Visitando os frades, com saudades do colégio.
 
Um lado vulgar em mim,
Dispensando-me incessante de um cortejo.
 

Um lado lírico também:
Abelhas desordenadas de meu beijo;
Sei usar com delicadeza um telefone,
Não me esqueço de mandar rosas a ninguém.

Um animal em mim,
Na solidão, cão,
No circo, urso estúpido, leão,
Em casa, homem, cavalo...

Há um lado lógico, certo, irreprimível, vazio
Como um discurso.

Um lado frágil, verde-úmido.

Há um lado comercial em mim,
Moeda falsa do que sou perante o mundo.

Há um lado em mim que está sempre no bar,
Bebendo sem parar.


Há um lado em mim que já morreu.
Às vezes penso se esse lado não sou eu.

 
Paulo Mendes Campos

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Meu Jardim

 

Tô relendo minha lida, minha alma, meus amores
Tô revendo minha vida, minha luta, meus valores
Refazendo minhas forças, minhas fontes, meus favores
Tô regando minhas folhas, minhas faces, minhas flores
Tô limpando minha casa, minha cama, meu quartinho
Tô soprando minha brasa, minha brisa, meu anjinho
Tô bebendo minhas culpas, meu veneno, meu vinho
Escrevendo minhas cartas, meu começo, meu caminho.

Estou podando meu jardim
Estou cuidando bem de mim.

Vander Lee

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Quem serás?

Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz.

Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Olha
Será que ela é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida

(...)
Olha Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se o arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida.

Edu Lobo e Chico Buarque

sábado, 6 de fevereiro de 2010


Quem for incapaz do silêncio é surdo à poesia.
Só no silêncio
do silêncio canta o poema.

Colisão


Amor condusse noi ad una morte


Quando o olhar adivinhando a vida
Prende-se a outro olhar de criatura
O espaço se converte na moldura
O tempo incide incerto sem medida


As mãos que se procuram ficam presas
Os dedos estreitados lembram garras
Da ave de rapina quando agarra
A carne de outras aves indefesas


A pele encontra a pele e se arrepia
Oprime o peito o peito que estremece
O rosto a outro rosto desafia


A carne entrando a carne se consome
Suspira o corpo todo e desfalece
E triste volta a si com sede e fome.


Paulo Mendes Campos

Sem palavras...



Neste soneto, meu amor, eu digo,

Um pouco à moda de Tomás Gonzaga,
Que muita coisa bela o verso indaga
Mas poucos belos versos eu consigo.
Igual à fonte escassa no deserto,
Minha emoção é muita, a forma, pouca.
Se o verso errado sempre vem-me à boca,
Só no peito vive o verso certo.
Ouço uma voz soprar à frase dura
Umas palavras brandas, entretanto,
Não sei caber as falas de meu canto
Dentro de forma fácil e segura.
E louvo aqui aqueles grandes mestres
Das emoções do céu e das terrestres.

Paulo Mendes Campos